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Arte Travesti não é território único. 

escrito por a Andrógina   

24 de JUNHO de 2022

O olhar sobre as instituições é mais um exercício da autoridade hegemônica: heteronormativa e ciscentrada. Com a arte não é diferente, e um resultado disso é um entendimento equivocado e uma leitura rasa da arte feita por corpes trans.

 

A arte desenvolveu-se a ponto de estimular a compreensão do espectador e ultrapassar seus próprios limites, como no caso das artes abstrata e conceitual. Porém, criou-se uma exceção confortável para a arte que é feita por corpes marginalizados, alocando-a em um lugar de puro identitarismo, de compreensão tokenista e limitante, como se não pudéssemos falar sobre algo além de nós mesmas, e legitimando o lugar universalista da cisgeneridade e binariedade (já que são eles que escolhem quem, onde e o que vai expor, e se vai sobreviver a este processo).

 

A arte feita por pessoas trans se dá por uma produção que permeia recortes quase que constantes, girando em torno de discussões atuais (ou até mesmo já superadas). Uma parcela dessa pesquisa se dá pela recuperação de uma ‘transcestralidade’, a partir de objetos usados por aquelas que nos antecederam. Já em outro momento, são construídos mundos utópicos, quando o foco se torna o corpo como fonte de prazer e tabu, ou até mesmo ressignificando uma existência de cunho híbrido, provocando nosso olhar sob uma "outra perspectiva".

 

Independente do tema, vale a pena frisar que a armadilha reside em um acúmulo de produções sem a devida crítica pois se aglomera em uma único lugar, ainda residindo no fetiche, induzindo corpes vistos como dissidentes a espaços específicos que falam de dor e violência, e, principalmente, de cunho figurativo. É fato que são, a princípio, muito importantes (re)registros de corpos marginalizados que recriam memórias, porém, quando em excesso e sem reflexão, emolduram uma realidade que é muito mais plural e ampla do que quatro cantos de uma tela.

 

Grande parte desse incômodo se deu a partir de minha própria pesquisa (a qual iniciei desenhando as Andróginas) e de meu nome artístico (a Andrógina) pois tive que desconstruir uma noção sobre androginia datada, lida de forma estereotipadas (e longe de uma realidade histórica). Tal noção se deu  devido a uma sociedade que achatou todo o contexto de um grupo de pessoas, transformando-o em uma estética mercantilizada, quando, na verdade, estudar sobre androginia é uma das ou a mais poderosa chave de acesso a nossa transcestralidade, que deve seguir um olhar mais amplo e menos pretensioso. Ao fazer esse trabalho arqueológico, não estamos procurando o nome ou tipo certo, procuramos um passado, uma verdade que nos ajude a entender porque chegamos aqui e o que pode ser feito diferente no presente.

 

A indução da arte a partir da imagem encontra-se em um momento oportuno, mas,  sem cuidado, reforça o olhar limitante sobre o que é o outro, agindo como um mecanismo para nos dominar ou manter nossa existência em um único lugar, à margem ou onde convém à lógica hegemônica e ao grande alicerce do patriarcado.

 

Apesar da arte estar rumando a passos lentos para esse caminho, com poucos lugares que ’transcentram’ a crítica e tornam as perspectivas realmente diversas nas instituições, as revoluções sexuais e os movimentos sociais nos apresentam questões como identidade de gênero e sexualidade, propostas além de um corpo fetichizado e incentiva mais possibilidades sociais e socializadoras que não se manifestam corporificadas ou compreendidas (ainda) pelo olhar cis e heteronormativo.

texto revisado por Julia Bernardet.

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