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Por que feminismo radical ainda existe?

Onde o feminismo radical e o transfeminismo se encontram pelo viés do materialismo histórico dialético de Marx.
escrito por a Andrógina   
19 de  de maio de 2021

Em uma breve e etimológica explicação, o feminismo radical conhece-se a partir da palavra radical não necessariamente com uma ideia de extremismo, mas um posicionamento sobre o que seria a raiz do problema em relação à hierarquia homem versus mulher. Isso acontece ainda hoje, como lastro de uma cultura que hierarquiza dois genitais: a vagina e o pênis.

 

A genealogia da sociedade colonizada e patriarcal expõe nosso corpo de modo utilitarista, no qual códigos sociais curvam-se a legitimar existências reprodutivas: fêmea e macho. Dentro dessa lógica binária, tanto anatomia quanto sexo e gênero não só estão extremamente colados, como respondem a um discurso dominante, ligado a uma agenda sexista (Silvia Federici) ou a uma heterossexualidade reprodutiva e compulsória (Monique Wittig).

 

Em minha pesquisa, como pesquisadora e artista plástica, percebo outra comparação que também teve influência nessa segunda onda do feminismo. Refere-se ao materialismo de Karl Marx e à luta de classes. Contudo, para concluir esse texto, focarei no  materialismo histórico dialético, também de Marx, mas trazendo um paralelo da produção de conceitos com as  discussões em torno de gênero e sexualidade.

 

O materialismo histórico dialético se dá em cinco passos. O primeiro passo: condição humana para produção histórica (viver e fazer história, a primeira realidade histórica é a produção da vida material), que poderíamos entender como o momento no qual entendemos que nós reproduzimos interação entre um corpo com pênis e outro corpo com vagina.

 

Já no segundo passo, com a primeira etapa compreendida, inicia-se participação para criar novas necessidades, e essa produção de necessidades seria o primeiro ato histórico, apresentando-se pela epistemologia médica sobre a anatomia para garantir essa reprodução, como a catalogação desses orgãos e corpos que reproduzem, inciando a exploração das potências do que seria o sexo (genitália).

 

Já no terceiro passo, a humanidade se reproduz (“renovando sua vida criou outros seres humanos se reproduzem ou seja constituem a família”) e institui esta ação a partir da própria conceituação de família e de instituições como o matrimônio, que resguardam os "papéis sociosexuais", baseados nas genitálias.

 

Na quarta etapa, instrumentos e a organização que determina o “estado social”, ou uma maneira de viver em sociedade, nesse ponto refere-se a entender gênero (movimento feminista), ou seja, algo que começa a se descolar, uma redução anatômica para com uma conduta social e que, com o decorrer dessas discussões, atinge outras perspectivas além do corpo branco, hétero e de classe média (e mais pra frente, cisgênero). É, então, que se inciam as discussões sobre sexo e gênero, com os movimentos sociais e revoluçõess sexuais (modos de viver na sociedade a partir da sexualidade além da heterossexualidade, mas com forte ligação de identidade entre sexo e gênero pela genitália).

 

Depois desses passos, a humanidade tem ciência de sua existência social. Entende a existência como a interação entre as funções dadas pelos seus corpos que resultam na legitimação da sua identidade, e esse é o quinto passo: consciência que se dá pela necessidade do intercâmbio com outros seres humanos. É nesse ponto que encontramos a identidade a partir de feministas pós-estruturalistas (como exemplo, Judith Butler), entendendo que a existência social se dá por uma genealogia anatômica, mas ela não para por aí, pois um corpo, para atingir uma consciência social de si, atravessa as instituições anatômicas e psicológicas, ou seja, uma genitália não define seu papel social, ou não contempla todos papéis sociais possíveis.

 

Depois desse panorama, o que podemos concluir é que as discussões sobre gênero e sexualidade carregam uma genealogia tão enraizada num ideal reprodutivo e genitalista que hierarquiza os corpos com pênis ou vagina e, de acordo com os cânones médicos (Thomas Laqueur) e a cultura (Silvia Federici), o corpo com vagina possui menor historicidade, desde o reconhecimento do orgasmo até decisões e presença desse corpo genitalizado, e isso é indiscutível.

 

Contudo, falar sobre gênero, é descolar os discursos sobre corpos genitais e uma produção APENAS de papeis sociosexuais. Pensar sobre gênero e sexo de modo menos binário tem o serviço de amparar identidades como "papéis biossociais", ou seja, uma vida além da genitália ou da pressão que colocam sobre ela.

 

Apresentar outras formas de ser mulher, de ser homem ou qualquer outra existência tem como plano democratizar nossa permanência da sociedade e romper com a cadeia "genital-reprodutiva", reordenado uma hierarquia desumana e violenta.

 

A importância da genitália é uma discussão constante em uma sociedade que privilegia pintos, mas em uma sociedade que marginaliza tudo o que não é homem, o que é ser trans pra você?

texto revisado por Julia Bernardet.

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