linguagem neutra x linguagem não-binária :
reflexões sobre uma linguagem que neutraliza a universalização do masculino versus léxico exclusivo identitário.
escrito por a Andrógina
22 de agosto de 2021
Sendo a língua um instrumento orgânico e social, em uma sociedade sexualizadora e binária, ela segue com um léxico de modo a sexualizar os corpos, corpas e corpxs (lê-se corpis). Contudo, as revoluções sexuais, os estudos de gênero, há quase um século, vêm contribuindo para o exercício de repensar o papel da linguagem na leitura de corpos extra-binários e extra-cisgêneros, estimulando a outras territorialidades do que nomeia coisas e principalmente pessoas, entre linguagem neutra e linguagem não binária.
Há muitos anos a linguagem neutra já se manifestava e parecia um desafio ortográfico muito pertinente, que buscava retratar uma pessoa ou grupo para além de uma identidade sociossexual pré-definida pelo universal masculino. Com o advento da internet e das redes sociais, o uso de símbolos para escrita ofereceu novas leituras desses símbolos, como o uso do @ que permitia leitura múltipla de uma mesma palavra. Essa prática foi altamente difundida na cultura jovem e alvo de muitas críticas, por aqueles que acreditam na "neutralidade universal masculina" ou por ignorarem a problemática de um mundo inteiro narrado por uma perspectiva masculina (IRIGARAY). Um pouco mais tarde, com o impulso da linguagem neutra, a linguagem não-binária começa a tomar corpo, ganhar territórios e adentrar o cotidiano, adaptando-se a uma ortografia gráfica e fonética (ex: todes).
Os vocabulários neutro e não-binário fundiram-se, o que soou como uma promessa de uma língua para todes aqueles que de alguma forma queriam romper com essa universalização masculina. Contudo, tal disposição pareceu voltar-se aos poucos para um público de identidade não-binária, e isso retorna a um lugar que atende uma única narrativa novamente (será?) e a oportunidade da neutralidade parece tornar-se um projeto identitário, talvez por não conseguirmos discutir sobre e entre sexo e gênero, ou numa certa “ausência” de ambos.
Minha pesquisa parte do exercício de cartografrar o espaço entre, no qual a língua não ocupe um discurso dominante sexo/identidade. No qual funções ou definições sejam oferecidas ao se referir à humanidade e a condição humana, ao invés de um universalismo masculino ou restrição identitária.
Contudo, mapear também é ouvir e conversar com outras pessoas, ouvindo vivências não-bináries, pensar no vocabulário não-binárie seja um modo de iniciar uma inserção prática que possibilite a "desgenitalização" como manifestação social, legítima ou exclusiva.
Tal ação torna-se política, impulsionando novas discussões, como já vem acontecendo, e permitindo a flexão de outras narrativas, menos sexualizadas do que de costume. Se a linguagem é orgânica e social (FOUCAULT) sobre as relações de poder, queremos falar a língua de uma sociedade democrática ou de um império genitalista?
texto revisado por Julia Bernardet.