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Androginia:

arquétipo

extra-binário

escrito por a Andrógina   

13 de setembro de 2021

Falar sobre sexo e gênero exige algo além de uma vivência ou uma paixão pelo assunto, requer que nos debrucemos sobre a genealogia. Um resgate da  historicidade que permite o acesso a um raciocínio epistemológico que vem permitindo revoluções sociais como o movimento feminista pós-estruturalista, a teoria queer, o movimento antirracista, assim como os direitos LGBTQIA+ e outras revoluções. Contudo, quando falamos de identidade de gênero ou qualquer outra manifestação social que transcenda o binarismo, ainda é motivo de muita polêmica, uma vez que vivemos estruturalmente numa sociedade sexualizadora, fruto do genitalismo, na qual corpos são reduzidos a funções utilitaristas, racistas e reprodutivistas.

 

Como artista plástica e pesquisadora, utilizando não só do meu entendimento como uma pessoa transgênera, mas compreendendo pontualmente a partir de uma bibliografia o porquê de não sermos  vistas como figuras socializadoras. Volto-me a uma lacuna na própria história, território esse onde falar sobre nós sempre parece algo novo. Apesar de muito se falar, percebe-se a ausência de ancestralidade, um elo perdido que, aparentemente, não é rompido apenas pela sociedade, mas que se perde devido à falta da organização de um conhecimento que nos antecede.

 

Androginia não é o resgate de uma figura ambígua ou de um movimento estético, mas o resgate de um dos arquétipos mais poderosos, presente em toda a história, desde a criação da humanidade, até mesmo como representação da perfeição humana. A androginia não pode ser reduzida a um senso estético pois com ela vem a noção originária ou primordial que atravessa o binário. Uma manifestação extra-cisgênera e extra-binária, sintetizada em um corpo nomeado com prefixo e sufixo, demonstrando a "transgressão" inclusive de uma etimologia que nos exclui e é quase sempre sexualizada ou fetichizada no imaginário social.

 

Infelizmente, esse assunto é quase uma armadilha para um discurso identitário, no qual a resistência vem para atender um grupo específico. Contudo, uma vez que essas discussões vêm atendendo diferentes grupos, a diferença está em como organizar esse conhecimento cronologicamente e aplicar em outras perspectivas, para além de contextualizar, imprimindo narrativas passadas de nossas existências.

 

Precisamos, e com urgência, tomar consciência de onde viemos e quais eram os nomes nos dados antes de sermos quem somos, para que possamos, assim, não apenas revolucionar, como também entender o que estamos revolucionando. É necessário responsabilidade e compromisso (não necessariamente com a cisgeneridade, mas com nossas próprias causas), para que nossas falas não se tornem apenas discursos inflamados ou modismos musicais (como já aconteceu), e se tornem frutos para que as futuras gerações possam dar continuidade, alimentadas com conhecimento e coerência, principalmente aqueles que, como nós (independente do nome), ainda virão.

 

Deixo um e-mail que lembrou o texto que acabo de escrever, que foi enviado a uma educadora durante minha graduação em artes depois de uma discussão sobre tradição :

 

Professora,

         Primeiramente gostaria de agradecer sua atenção ao meu trabalho e suas orientações estão vindo de encontro com a minha pesquisa e sei que tenho muito a aprender.

         Infelizmente, como o tempo de aula é curto, tento ao máximo ser sucinta e efetiva no que falo sobre a minha pesquisa. Compreendo quanto a validade e estudo de grandes referências europeia e seus feitos, contudo acredito que já tenha muita demanda de preocupações com tal temática, minha pesquisa (re)existe há algum tempo e possui um recorte que é direcionado a uma subversão de valores com vigilância, pois acredito que não há como subverter um valor sem ao menos conhecê-lo, e assim, por meio dessas narrativas se pode repensar e construir novos pontos de vista, e isso se torna ainda mais palpável quando há um desprendimento ao culto eurocêntrico, já que estamos impregnados em cenários repletos de caráter europeu.

        Aprecio a arte europeia, mas como artista, não me satisfaço dela, tenho cuidado com a tradição pois, ela é a que me criou e quem tira minha legitimidade sobre quem sou.

        Não há muito espaço, para entendermos a Andróginia, mas sei que é apenas um pequeno começo de algo muito maior que virá, não sei se por mim, mas para um futuro que não podemos fugir, em que a descentralização da arte não se dê apenas pelos continentes ou técnicas, mas pelas individualidades humanas coletivas e paralelas, voltadas a identidade e performance desse ‘ser social’.

         De qualquer forma, sei que falar mais sobre minha pesquisa e receber sua orientação, será de grande ajuda, mas gostaria de compartilhar meu compromisso com minha pesquisa e como artista.

 

Minha arte tem fome e sede,

ela tem pressa pra sobreviver,

assim como minha cultura

e minha descendência…

meu nordeste.

A seca da nossa (eu e tantas outras demais como eu)

invisibilidade

pede chuva

chuva

no solo de uma sociedade

que tenta nos binarizar,

com o que temos

dentro da calças

e as vezes sinto

que preciso apenas correr...

texto revisado por Julia Bernardet.

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