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O "Homem-Deus":

A criação de uma cultura monoteísta

E O SAGRADO na identidade-homeM.

escrito por a Andrógina   

03 de MAIO de 2021

É muito comum em livros que tratam sobre a história do gênero (ou a ideia do que temos hoje sobre gênero) que praticamente todas culturas originárias possuíam dois pilares que sustentavam o sagrado, sendo eles basicamente: o masculino E o feminino. Como já venho falando em minha pesquisa por textos e vídeos, essa construção se dá por um discurso “utilitarista reprodutivo” em que a reprodução é a garantia da continuidade da espécie humana e, por isso, torna-se não só sagrada, mas o instrumento que garante a permanência da sociedade no planeta Terra (parece assustador, mas não é).

 

Outra característica que se percebe nesse quadro é que geralmente sociedades que compreendem a importância das dualidades transferem uma conduta religiosa na qual deuses ou manifestações “divinas”* pertencem a uma pluralidade de personalidades, inclusive além da binaridade, características essas que sacralizam a experiência de corpos além da cisgeneridade ou da heterossexualidade.

 

O colonialismo e o eurocentrismo trouxeram não só o processo predatório, mas firmaram-se neste recurso, com o castramento de religiões não-cristãs e uso do sagrado a partir dos valores judáico-cristãos: uma estrutura simples, dada por uma figura suprema chamada Deus.

 

Deus, para os que não entendem ou não sabem interpretar a bíblia**, se daria pelo que seria a figura do que se conhece como homem (cisgênero). Tal resolução reforça uma hierarquia genitalista, já que Deus está ligado ao homem e, na cultura binária, o homem está diretamente ligado ao pênis. Assim, aqueles que possuem pênis são considerados homens dentro dessa cultura cisgênera, e, por isso, estão mais próximos do sagrado, ou são vistos como tal.

 

Um outro ponto é que a compreensão sobre esse “corpo-homem-sagrado” é a legitimação indubitável da política da alteridade, na qual há um antropocentrismo universal, masculino e peniano, e qualquer coisa além dele é terreno ou servo. Como resposta a esta lógica, o corpo "não-homem e/ou não-macho" é negligenciado, distanciado, marginalizado e assim por diante. Prova disso são os cânones sobre a medicina e a anatomia, além do reflexo da cultura em torno de um corpo estruturante único, que se dá pela identidade do homem cisgênero.

 

Entender sobre a teoria queer ou estudar sobre gênero e sexualidade é ter um compromisso com a genealogia sobre essas manifestações e condições humanas, que se estruturaram em "noções" anatômicas e da biologia como precursoras de nossa existência. A diferença em entender outras identidades, outras sexualidades, é compreender que o corpo não funciona apenas como uma máquina reprodutora. A identidade e a participação do corpo social permeia várias outras instituições, sendo a instituição biológica SEXO apenas uma delas e a mais privada de todas.

 

Um problema que persiste é como explicar que os sagrados masculino e feminino são parte de nossa ancestralidade e reflexo da nossa realidade, pois baseiam-se em uma cadeia produtiva. Entretanto, o corpx, independente de qual seja, participa automaticamente das esferas políticas e sociais e deve ser amparadx por elas. Somente assim sairemos de uma sociedade que visa a sacralização e hierarquia genitalista para praticar a democracia com TODXS os corpos.


 

“(...) o gênero, não a religião, é o ópio das massas.” (GOFFMAN, 1977, p. 315)

* pois o divino está ligado à ideia cristã de céu e inferno, algo que sequer existiu em outras sociedades;

** com exceção da falta de compreensão sobre a interpretação da história do Gênesis e da criação do que seria Adão e Eva: Adão não se trata do homem, mas um ser de caráter 'ambíguo', que por isso conseguiu ser dividido, o que poderia se caracterizar pelo arquétipo  do Andrógino, ou, talvez e mais atualmente, a condição intersexual na visão médica de hoje;

texto revisado por Julia Bernardet.

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