imagem superficial
escrito por a Andrógina
08 de MARÇO de 2022
A involuntária formação cristã e ocidental ensinou-nos que a imagem seria o mais próximo que poderíamos ter do divino. Esta foi a ferramenta que possibilitou o registro do passado e como ele documenta e divulga o recorte da história da elite e das classes. Inclusive a ideia de subversão a partir da publicação de imagens tidas como impróprias ou imorais, apropriando-se, assim, da arte figurativa como ferramenta poderosa de crítica e controle social.
É a partir da construção da imagem que nosso consciente alimenta-se do que ainda não conhecemos, contudo, a mesma imagem que "vale mais do que mil palavras" conduz um raciocínio coletivo que se finda nela mesma, até com imagens consideradas chocantes, depois de muito a elas expostas, podem ser lidas como normais ou menos impactantes.
Na força da imagem também reside sua fraqueza, como já nos mostrou Narciso, nada pode ser visto além de si próprio. A imagem repousa no conforto dos olhos e na superfície das compreensões. É na superficialidade da imagem figurativa que encontramos a possibilidade de explorar impressões, mas é a partir dos sentidos que acessamos o intangível, conceito esse que nem sempre é muito bem desenhado e debruça-se no que se considera abstrato.
O abstrato, ou não-figuração, nem sempre é sobre o que não se entende. Trata-se da capacidade humana de conectar a compreensão além do mundo visualmente adaptado e reconhecível. Lembrar do potencial abstrato, muitas vezes, amplia nossa compreensão para compreender que a crítica social não está apenas na imagem, mas no modo que acreditamos ver o mundo. Nem mesmo a linha e a cor, ou mesmo as formas ditas “puras”, são livres de significados. Elas são resultados de interpretações de um inconsciente social que constrói narrativas em cima destes elementos.
Materialidade e forma são reflexos de narrativas que são frequentemente construídas por noções científicas, como temperatura, densidade e espessura. Contudo, baseiam-se também em como estas informações são lidas em um território social movido por discursos binários, sexistas e machistas, de acordo com os quais se não é um, só pode ser o outro.
Com a hiperinformação na era digital e o consumo incessante de imagens, a abstração parece um desafio, porém ela também ganhou novos contornos e camadas de pensamento e construção, abordando assuntos que apenas quando abstraídos e restituídos no mundo conseguem potencializar seus significados.
texto revisado por Julia Bernardet.