"Instituição beleza": a estética da moral.
A 'beleza' e o 'belo' instituídos e instrumentalizados para conduzir modelos e valores sociais.
escrito por a Andrógina
05 de maio de 2021
Assim como a história é dividida em séculos e décadas para a melhor compreensão da noção de tempo, a sociedade cunha-se a partir de instituições para que se aprimore a noção da existência humana-social.
Instituições nascem e morrem, comparável à transformação de uma paisagem (já dizia o filósofo Heráclito de Éfeso “Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou”), pois os que a definem mudam a partir de suas próprias demandas, históricas , políticas e comportamentais. Estas mesmas instituições têm a função exclusiva de regular esse corpo social ou os limites que definem ou extrapolam as definições de corpo e sociedade. Como exemplo, as leis que discursam sobre a noção que se tem de família (que foi gradativamente mudando com as revoluções feministas e de gênero) e matrimônio (inicialmente com uma essência religiosa/sagrada que foi estendida para o direito civil e sendo apurada, permitindo o divórcio e o casamento homoafetivo).
Já o que define um corpo não parte de uma instituição, mas de infinitos recursos do conhecimento, como direito, psicologia, medicina, filosofia, antropologia e assim por diante. A partir da perspectiva e de quem domina esse conhecimento, constroem-se narrativas que orientam essa noção de corporeidade, por isso, muito do que vivemos é baseado em valores judáico-cristãos, eurocêntricos e binários.
Aprofundando, agora, o tema desse texto, uma dessas instituições que é frequentemente desprezada pela elite intelectual é a que se vincula ao belo. Isso se dá por causa de uma cultura pautada na alteridade, na qual se você se preocupa com o de fora (corpo), automaticamente não se preocuparia com que está dentro (mente)*.
Contudo, corpo é junção de carne e psique. Não há como dissociá-las na sociedade em que vivemos, já que a carne não tem um valor puro. Ela é impregnada de valores sociais e que moldam (mais uma vez em pilares binários) o que é certo ou errado, o que é justo ou injusto e, com tudo isso, o que é bonito e o que é feio. Já se falava da questão no século IV a.C, por Platão, que associava o belo ao bem e à verdade e afirmava que a beleza é o sinal de uma outra ordem, superior, sendo o belo também uma questão moral.
Pensar sob tal perspectiva é cutucar feridas e abrir caminhos para se repensar sobre o que é realmente ou deveria ser belo. Como uma instituição que deve ser revista não só por uma questão estética, mas como essa estética movimenta uma conduta sobre o que é considerado moral.
Entender a importância do que se define beleza e que se desdobra na moral dentro das instituições é uma forma de desconstruir de fora para dentro, implodir conceitos tidos como naturais ou sagrados. Apesar de sua genealogia, a noção de beleza pertence a uma raciocínio capacitista e, com advento da internet e do ambiente digital, orienta o sentido da visão praticamente como único válido, de modo impetuoso (outro ponto que sempre vale a pena ser revisto).
Reavaliar o belo ou beleza se compreendem em buscar entender como as dinâmicas sociais se dão por parâmetros estéticos. Estes instrumentalizam corpos e conceitos dentro da sociedade e utilizam-se desse pressuposto para dizer que somos amorais, tirando-nos o acesso a espaços por sermos considerados corpos dissidentes, por não sermos compreendidos, por sermos 'feios', por enquanto...
Discutir o belo é permitir-se desafiar o limite da nossa moralidade.
* e já para a cultura utilitarista reprodutiva e a 'Farmacopornografia' (Paul B. Preciado) se utiliza da beleza como meio de reproduzir com ”bons genes” ou a garantia de prazer.
texto revisado por Julia Bernardet.